segunda-feira, 10 de junho de 2019

Eduardo Mendoza, "A Assombrosa Viagem de Pompónio Flato"

Sextante Editora, 2010 (livro é de 2008)

Policial em registo de sátira, aproveitando os mundos romano e judaico, passado no tempo da infância de Jesus. Construção inteligente sob a forma de um puzzle que se vai construindo peça a peça até percebermos o que está ali. Com o recurso a uma série de personagens que reconhecemos do Novo Testamento.

(pág. 9)
Humor com o holocausto, talvez escusado.

(pág. 15)
«(...) porque não há pior gente no mundo do que os judeus».
Entre ser politicamente correto e politicamente incorreto, opto sempre pelo primeiro. A razão é simples: não pertenço a nenhuma minoria, perseguida ou discriminada, no passado ou no presente. Por isso, acho que não tenho o direito nem a autoridade moral para me escolher como politicamente incorreto (que, note-se, muitas vezes não passa de uma desculpa auto-justificatória para dar rédea livre a discursos machistas, racistas, xenófobos, etc.).
Dito isto, considero também que algumas manifestações do politicamente incorreto são evitáveis quando elas vão claramente no sentido de reforçar ódios a minorias, como é o caso.
Dir-me-ão: Estás a exagerar. Muito bem, então proponho o seguinte exercício: na citação acima substitua-se a palavra "judeus" por "pretos"; ou por "mulheres"; ou "deficientes"; ou ainda "ciganos". O que acontece? A mim, acentuou o mal-estar já sentido na citação original.

(pág. 16)
Não aprecio a sátira grosseira, principalmente quando ela surge desenquadrada do resto do texto. O autor utiliza muito frequentemente, durante todo o livro, as expressões «dar o cu» e «levar no cu». Qual a intenção do autor ao fazê-lo? Não consegui perceber.

(pág. 16)
«(...) o seu [do deus judaico] sentido da justiça, que é implacável com aqueles que crêem nele, o adoram e o servem, e muito frouxo com os que o ignoram e negam a sua existência, o atacam e troçam dele nas suas barbas».
O facto de Deus ser duro para os crentes e benevolente para os não-crentes já foi referido por Antoine de Saint-Exupéry, em Terra dos Homens (Editorial Aster, 1971, pp. 76-77), a propósito de Alá e dos milhões de quilolitros de água potável que Ele concede com generosidade a quem não crê nele, isto é, aos europeus, por exemplo.

As reflexões de Pompónio revelam sempre uma crítica seja à religião seja à sociedade, e são sempre muito interessantes.

O livro lê-se num ápice, respeita a inteligência do leitor e usa técnicas de escrita que não nos são estupidamente evidentes. E é muito divertido!

Uma última reflexão: foi um filósofo, ou seja aquele que sabe pensar, que consegiu resolver o mistério do crime. Uma das utilidades de se ter uma formação em Humanidades...

Julian Barnes – O Papagaio de Flaubert

  Quetzal, 2019 Julian Barnes é o mais continental dos escritores anglo-saxónicos. Entre outras coisas, vê-se isso pelo fascínio que ele dem...