domingo, 7 de fevereiro de 2021

Reviver o Passado em Brideshead (1981) - Uma Revisão


Cada vez que vejo esta série (baseada na obra homónima de Evelyn Waugh), faço-o com um olhar, uma abordagem diferente.

Desta feita, duas coisas se me impuseram. Primeiro, que esta é uma história infinitamente triste: uma história de derrotados, falhados, solitários, destituídos, infrutíferos, etc. Acentuada pela voz, que agora me surgiu como arrefecidamente desolada, de Jeremy Irons/Charles Ryder.

Aliás, antes, pensava que Ryder era a grande figura deste filme. Agora, não. Ryder é o aedo, o cego (em muito mais do que um sentido) que canta a história (a forma como Jeremy Irons lhe dá voz é tão encantatória como se fosse um canto).

A grande figura, aquela que atravessa todo o filme desde praticamente o início de tudo, é Sebastian/Anthony Andrews. Ele está sempre presente, em realmente todos e em cada um dos episódios.

Nos primeiros, fisicamente. Depois, nas conversas. E, finalmente, ele aparece sob formas subtis, sugeridas, nada explícitas: nos trejeitos, no estilo leve e encantadoramente humorístico de Julia (por exemplo, no barco, quando recebe as rosas de Ryder) e de Lord Marchmain (quando monologa com a família durante um jantar, por exemplo); ou na leveza afetuosa da Nanny Hawkins.

 

Sebastian é de tal forma uma presença (Anthony Andrews brilhante) que me pergunto o que representa ele de tão importante e central.

Primeiro, talvez a busca de uma leveza congregadora de afetos, nunca reconhecida pelos outros (incluindo por Ryder) e, portanto, no limite para sempre falhada. Daí ele procurar um seu sucedâneo na bebida, a companhia capaz, não de preencher a sua solidão, mas de a aliviar; porém sempre em direção à leveza.

Sebastian que tem em si uma fonte imensa de generosidade e de compaixão, expressas quase sempre de uma forma delicada e, mais uma vez, encantadora. Exceto no fim, ao cuidar de Kurt, que é absolutamente incapaz de orientar a sua vida sozinho, mas que explora Sebastian de forma grosseira, obrigando este de certa forma a ser generoso e compassivo agora de forma também grosseira.

Sebastian, cujo encanto tão perspicazmente diagnosticado por Anthony Blanche, é o mais saudável de toda aquela família. Daí ser ele o que mais terrivelmente sofre com a disfuncionalidade da família. Mostrando que o sofrimento intenso dificilmente torna as pessoas mais fortes ou mais construtivas. Pelo menos, não o tornou a ele. Mas que, apesar de tudo, até ao fim, não foi capaz de destruir a sua capacidade de ser amado e querido por quem era contactado por ele.

 

Ryder, por outro lado, é um órfão, daí Sebastian o ter adotado.

Orfão realmente, abandonado pela mãe e com um pai terrível de ironia e de ausência de afeto. E, como ele admite algures, sem ter vivido uma infância até conhecer Sebastian.

Na verdade, órfão do mundo, pois ele atravessa a vida sem perceber nada das pessoas com quem se dá, mas procurando mostrar que está por dentro. É uma figura verdadeiramente patética, que chega a dar pena até mesmo quando nos irrita com a sua pretensa auto-suficiência.

É uma pessoa perdida, muito mais perdida do que Sebastian. Porque, na sua incapacidade de compreender, nem sequer chega a saber como cuidar das pessoas com quem se relaciona (ao contrário de Sebastian): o amigo, a mulher, os filhos, Julia, Hooper – todos são a face visível do seu fracasso em cuidar. Incluindo a falha em cuidar de si próprio. A sua conversão final pouco mais é do que a admissão da sua total derrota, que ele acabou de verbalizar a Hooper no fim: ficamos a saber que, a partir daí, apenas lhe restará a ilusão de um deus para se sentir cuidado.

 

Ryder e Sebastian são então as duas faces de uma solidão inconsolável. A de Ryder, sombria porque nasce da absoluta ausência de empatia, sempre patente esteja ele com quem estiver. A de Sebastian, luminosa, porque ele a ilumina com a sua generosidade e desamparo. É com Sebastian que nós ficamos, acompanhados pela resplandecente banda sonora de Geoffrey Burgon e por uma outra música de fundo dada pela voz de Jeremy Irons.



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