Cada vez que vejo esta série (baseada na obra homónima de Evelyn Waugh), faço-o com um olhar, uma abordagem diferente.
Desta feita, duas coisas se me impuseram. Primeiro, que esta é uma história infinitamente triste: uma história de derrotados, falhados, solitários, destituídos, infrutíferos, etc. Acentuada pela voz, que agora me surgiu como arrefecidamente desolada, de Jeremy Irons/Charles Ryder.
Aliás, antes, pensava que Ryder era
a grande figura deste filme. Agora, não. Ryder é o aedo, o cego (em muito mais
do que um sentido) que canta a história (a forma como Jeremy Irons lhe dá voz é
tão encantatória como se fosse um canto).
A grande figura, aquela que atravessa todo o filme desde praticamente o início de tudo, é Sebastian/Anthony Andrews. Ele está sempre presente, em realmente todos e em cada um dos episódios.
Nos
primeiros, fisicamente. Depois, nas conversas. E, finalmente, ele aparece sob
formas subtis, sugeridas, nada explícitas: nos trejeitos, no estilo leve e
encantadoramente humorístico de Julia (por exemplo, no barco, quando recebe as
rosas de Ryder) e de Lord Marchmain (quando monologa com a família durante um
jantar, por exemplo); ou na leveza afetuosa da Nanny Hawkins.
Sebastian é de tal forma uma
presença (Anthony Andrews brilhante) que me
pergunto o que representa ele de tão importante e central.
Primeiro, talvez a busca de uma
leveza congregadora de afetos, nunca reconhecida pelos outros (incluindo por
Ryder) e, portanto, no limite para sempre falhada. Daí ele procurar um seu
sucedâneo na bebida, a companhia capaz, não de preencher a sua solidão, mas de
a aliviar; porém sempre em direção à leveza.
Sebastian que tem em si uma fonte
imensa de generosidade e de compaixão, expressas quase sempre de uma forma
delicada e, mais uma vez, encantadora. Exceto no fim, ao cuidar de Kurt, que é
absolutamente incapaz de orientar a sua vida sozinho, mas que explora Sebastian
de forma grosseira, obrigando este de certa forma a ser generoso e compassivo
agora de forma também grosseira.
Sebastian, cujo encanto tão
perspicazmente diagnosticado por Anthony Blanche, é o mais saudável de toda
aquela família. Daí ser ele o que mais terrivelmente sofre com a
disfuncionalidade da família. Mostrando que o sofrimento intenso dificilmente
torna as pessoas mais fortes ou mais construtivas. Pelo menos, não o tornou a
ele. Mas que, apesar de tudo, até ao fim, não foi capaz de destruir a sua
capacidade de ser amado e querido por quem era contactado por ele.
Ryder, por outro lado, é um órfão,
daí Sebastian o ter adotado.
Orfão realmente, abandonado pela
mãe e com um pai terrível de ironia e de ausência de afeto. E, como ele admite algures, sem ter vivido uma infância até conhecer Sebastian.
Na verdade, órfão do mundo, pois ele
atravessa a vida sem perceber nada das pessoas com quem se dá, mas procurando
mostrar que está por dentro. É uma figura verdadeiramente patética, que chega a
dar pena até mesmo quando nos irrita com a sua pretensa auto-suficiência.
É uma pessoa perdida, muito mais
perdida do que Sebastian. Porque, na sua incapacidade de compreender, nem
sequer chega a saber como cuidar das pessoas com quem se relaciona (ao
contrário de Sebastian): o amigo, a mulher, os filhos, Julia, Hooper – todos
são a face visível do seu fracasso em cuidar. Incluindo a falha em cuidar de si
próprio. A sua conversão final pouco mais é do que a admissão da sua total
derrota, que ele acabou de verbalizar a Hooper no fim: ficamos a saber que, a
partir daí, apenas lhe restará a ilusão de um deus para se sentir cuidado.
Ryder e Sebastian são então as duas faces de uma solidão inconsolável. A de Ryder, sombria porque nasce da absoluta ausência de empatia, sempre patente esteja ele com quem estiver. A de Sebastian, luminosa, porque ele a ilumina com a sua generosidade e desamparo. É com Sebastian que nós ficamos, acompanhados pela resplandecente banda sonora de Geoffrey Burgon e por uma outra música de fundo dada pela voz de Jeremy Irons.
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