terça-feira, 1 de março de 2022

Soeiro Pereira Gomes, Esteiros

 

Edições Avante, 1979


Comovente. Mas de modo diferente de Capitães da Areia, de Jorge Amado, livro de que nos lembramos logo. E que antecede este de poucos anos: Capitães da Areia é de 1937 e Esteiros é de 1941. Soeiro Pereira Gomes pode nem tê-lo lido, já que a censura do Estado Novo não o devia permitir.

De qualquer modo, Esteiros é mais da vida real, portanto com menos solidariedade, menos romantizado, menos épico, menos ligado à marginalidade e à criminalidade - se bem que há que ponderar em como podemos, de consciência limpa, exigir moralidade daqueles que são tratados sem moralidade nenhuma?

Na verdade, Esteiros está mais ligado a uma sociedade que pretende marginalizados, conformistas e obedientes, ie, mão de obra barata.

O que tem de semelhante com Capitães da Areia é utilizar igualmente uma linguagem lírica para o que não o é, a miséria e a morte.

Vou buscar uma expressão de Eduardo Lourenço para definir o clima de todo o livro: marxismo afetivo. Onde estamos sempre perante uma empatia com um Portugal cinzento e triste, mas onde a vida procura sempre romper e desabrochar. Parece ser um recurso literário usado por Soeiro Pereira Gomes a fim de suscitar o desejo de um país diferente.

Trata-se também de um romance de crescimento e de maturação. Desde as crianças que só querem brincar e consumir (ver feira). Até à consciência de algo muito errado na sociedade, uma aprendizagem que muitos jovens e adultos ainda não fizeram hoje em dia. Repare-se que já em 1941 havia a lei das 8 horas; e hoje está a ganhar terreno a prática de horários ditos "flexíveis" de muito mais do que essas 8 horas!

Um romance de denúncia e de emoção, sem nunca cair na pieguice.

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