quarta-feira, 3 de março de 2021

2 - Clarice Lispector, A Hora da Estrela - Notas específicas a citações

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Apresentação (por Clarisse Fukelman)

(4)

(…) existe algo de novo para além do insólito prefácio, em forma de dedicatória, da frouxidão do enredo, da mescla de linguagem sutil com um tom desnudo e cru ou, ainda, da intimidade com que o choque social é apresentado.

Sim, não é pela história que nós ficamos presos a esta novela (uma semelhança com VF), porque ela praticamente não existe ou é completamente banal.

 

(4)

(…) estórias que se entrecruzam, como num acorde musical: a da vida de Macabéa, imigrante nordestina que vive desajustada no Rio de Janeiro; a do Autor do livro que, embora sem rosto definido, se dá a conhecer nos comentários que faz; e ainda a estória do próprio ato de escrever.

 

(4)

(…) múltiplas e complexas relações: entre escritor e seu texto, entre escritor e seu público, entre escritor e esta personagem tão distante do seu universo.

 

(6)

(…) “Tudo começa com um sim”, o narrador revela que sabe que as coisas se criam por um ato de vontade e de afirmação.

 

(7)

(…) condição essencial do ser: aprender a si mesmo inclui o confronto com o outro.

Embora isto vá contra o que diz a psicologia oriental.

 

(8)

(…) denuncia a mentira de uma palavra transparente, “verdadeira”, usada como forma de comunicação entre os homens e do homem consigo mesmo. Essa trajetória aproxima Clarice Lispector de outros escritores modernos, como Fernando Pessoa [e VF], que colocaram sob suspeita a comunicação direta.

 

(17)

(…) verbos dedicar e dedicar-se que etimologicamente significam, o primeiro deles, dizer para e o segundo, dizer através de si para.

 

 

Dedicatória

 

Quem escreve é a personagem Rodrigo S.M. (22)

 

(20)

Esta história acontece em estado de emergência e de calamidade pública. Trata-se de livro inacabado porque lhe falta resposta.

 

(21)

Tudo no mundo começou com um sim.

Toda a história começa com um sim?

 

(21)

Que ninguém se engane, só consigo a simplicidade através de muito trabalho.

“Escrevo-vos uma longa carta porque não tenho tempo de a escrever breve.” Voltaire

 

(21)

Enquanto eu tiver perguntas e não houver resposta continuarei a escrever.

A interrogação de Vergílio Ferreira

 

(21)

Como começar pelo início, se as coisas acontecem antes de acontecer?

Por onde posso começar uma história, ainda que seja a minha, se eu sei que a genética tem um peso de 50% naquilo que sou e que faço? Onde está o início dos genes e onde está a história aí?

É verdade que suspeito que os cientistas avançam com o número demasiadamente redondo de 50% porque não sabem muito bem qual ele é, na realidade. Além disso, devem (e com razão) ter medo que seja mais e que isso dê razão aos que não querem ter limites para maltratar os outros. Podem falar de si próprios, dizendo que o fazem por causa dos seus genes (“Eu sou assim e não há nada a fazer”). Ainda podem alegar que, de qualquer modo, se os genes é que contam, então os outros safam-se ou não, tendo pouco a ver com o que lhes é feito (“Eles são assim”). Ou seja, podem ficar com uma dupla desculpa para a sua maldade.

 

(21)

A minha vida a mais verdadeira é irreconhecível, extremamente interior e não tem uma só palavra que a signifique.

Vergílio Ferreira faz disto tema de romances, por exemplo, no Para Sempre.

 

(22)

Se há veracidade nela – é claro que a história é verdadeira embora inventada – que cada um a reconheça em si mesmo porque todos nós somos um e quem não tem pobreza de dinheiro tem pobreza de espírito ou saudade por lhe faltar coisa mais preciosa que ouro – existe a quem falte o delicado essencial.

Poeta fingidor? De qualquer modo, Clarice propõe aqui estimular a nossa empatia e diz como o podemos fazer.

 

(22)

(…) uma história com começo, meio e “gran finale” seguido de silêncio e de chuva caindo.

"Há dias em que a melancolia chove dentro de nós como num pátio interior, atapetado de jornais velhos. Não se ouve, não se sente - mas rebrilha na sujidade densa." Retalhos da Vida de um Médico – Fernando Namora

 

(23)

Porque há o direito ao grito.

Então eu grito.

Tantas interseções e tangentes à obra de Vergílio Ferreira!

 

(23)

Aliás – descubro eu agora – eu também não faço a menor falta, e até o que escrevo um outro escreveria. Um outro escritor, sim, mas teria que ser homem porque escritora mulher pode lacrimejar piegas.

Ironia de Clarice: lacrimejar, até pode, mas qualquer pessoa que considere o mundo real com objetividade sabe que o homem se deixa arrastar mais pelas emoções do que as mulheres: estão aí os assassinatos por ciúmes a mostrá-lo!

 

(24)

Assim é que esta história será feita de palavras que se agrupam em frases e destas se evola um sentido secreto que ultrapassa palavras e frases.

Vergílio Ferreira refere muitas vezes o espírito que atravessa os materiais da obra de arte e que vai muito para além destes.

 

(24)

Desculpai-me mas vou continuar a falar de mim que sou meu desconhecido, e ao escrever me surpreendo um pouco pois descobri que tenho um destino. Quem já não se perguntou: sou um monstro ou isto é ser uma pessoa?

Eu já me perguntei, sim. É por isso que, às vezes, precisamos de saber que outros passam pelo mesmo que nós, para não nos sentirmos uns monstros esquisitos. Ou precisamos de baixar o nosso “eu ideal” para um tamanho mais realista. Ou, no caso de realmente falharmos muito, termos um pouco mais de compaixão connosco próprios.

 

(25)

Quem se indaga é incompleto.

Ou o contrário? Ou ambos? A interrogação, marca do especificamente humano, como Vergílio Ferreira defendia.

 

(25)

Sei que cada dia é um dia roubado da morte.

Então a pergunta é: o que posso fazer deste dia, o que é importante para mim hoje?

 

(25/26)

Eu não sou um intelectual, escrevo com o corpo. E o que escrevo é uma névoa úmida. As palavras são sons transfundidos de sombras que se entrecruzam desiguais, estalactites, renda, música transfigurada de órgão. Mal ouso clamar palavras a essa rede vibrante e rica, mórbida e obscura tendo como contratom o baixo grosso da dor. Alegro com brio. Tentarei tirar ouro do carvão. Sei que estou adiando a história e que brinco de bola sem bola. O fato é um ato? Juro que este livro é feito sem palavras. É uma fotografia muda. Este livro é um silêncio. Este livro é uma pergunta.

Sempre as reflexões à volta da palavra e da sua ausência. No fundo, o que Clarice – ou Rodrigo – deseja é escrever o livro total, que inclua tudo.

 

(26)

Mas desconfio que toda essa conversa é feita apenas para adiar a pobreza da história, pois estou com medo. Antes de ter surgido na minha vida essa datilógrafa, eu era um homem até mesmo um pouco contente, apesar do mau êxito na minha literatura. As coisas estavam de algum modo tão boas que podiam se tornar muito ruins porque o que amadurece plenamente pode apodrecer.

Transgredir, porém, os meus próprios limites me fascinou de repente. E foi quando pensei em escrever sobre a realidade, já que essa me ultrapassa. Qualquer que seja o que quer dizer “realidade”.

Repito: cada frase é um apelo suave de Clarice à nossa reflexão. Tão suave que, na maior parte das vezes, numa primeira leitura, muita coisa passa despercebida. Aqui, desafia-se medo do novo, do que ainda não se começou a fazer; o sentido do tempo e da mudança como sendo pendular; os limites que nos surgem com o desafio associado de os ultrapassarmos; e natureza da realidade.

 

(26/27)

(26) (…) preciso falar dessa nordestina senão sufoco. Ela me acusa e o meio de me defender é escrever sobre ela. (…) (26/27) Escrevo portanto não por causa da nordestina mas por motivo grave de “força maior”, como se diz nos requerimentos oficiais, por “força de lei”.

Sim, minha força está na solidão. (…)

Uma explicação do porquê da escrita deste livro. E talvez um programa: contribuir para mudar o mundo…

 

(27)

Quero acrescentar, à guisa de informações sobre a jovem e sobre mim, que vivemos exclusivamente no presente pois sempre e eternamente é o dia de hoje e o dia de amanhã será um hoje, a eternidade é o estado das coisas neste momento.

 

(27)

Sou um homem que tem mais dinheiro que os que passam fome, o que faz de mim de algum modo desonesto. E só minto na hora exacta da mentira. Mas quando escrevo não minto.

Outra vez o poeta fingidor? O que é irónico é que Clarice é mulher e escolheu deliberadamente um narrador masculino… então o que quererá dizer “não minto”? Que não é um Dan Brown ou a sua versão caseira Rodrigues dos Santos (que usam técnicas para “fisgar” o leitor, e pouco, muito pouco mais do que isso)?

http://arquivopessoa.net/textos/4234

 

(28)

De uma coisa tenho certeza: essa narrativa mexerá com uma coisa delicada: a criação de uma pessoa inteira que na certa está tão viva quanto eu. Cuidai dela porque meu poder é só mostrá-la para que vós a reconheçais na rua, andando de leve por causa da esvoaçada magreza.

O que queria Clarice dizer: que a ficção cria a realidade, ou que a traduz, ou que a revela? Veja-se também como aqui talvez se exponha a intenção de conseguir alguma mudança no mundo.

 

(28)

(…) um dia, quem sabe, cantarei loas que não as dificuldades da nordestina.

Por enquanto quero andar nu ou em farrapos, quero experimentar pelo menos uma vez a falta de gosto que dizem ter a história. Comer a hóstia será sentir o insosso do mundo e banhar-se no não.

 

(29)

Ainda bem que o que eu vou escrever já deve estar na certa de algum modo escrito em mim. Tenho é que me copiar com uma delicadeza de borboleta branca.

Mais uma reflexão sobre a escrita: não inventamos nada, projetamo-nos naquilo que escrevemos – por isso, Vergílio Ferreira dizia que quem o queria conhecer devia era ler os romances, pois aí ele estava sem defesas.

 

(29)

Escrevo por não ter nada a fazer no mundo: sobrei e não há lugar para mim na terra dos homens. Escrevo porque sou um desesperado e estou cansado, não suporto mais a rotina de me ser e se não fosse sempre a novidade que é escrever, eu morreria simbolicamente todos os dias. Mas preparado estou para sair discretamente pela saída da porta dos fundos. Experimentei quase tudo, inclusive a paixão e o seu desespero. E agora só quereria ter o que eu tivesse sido e não fui.

Uma outra profissão de fé relativa à escrita. Como interpreto a última frase: eu desejava ter na memória o que eu poderia ter sido mas que, na realidade, não fui, logo não posso ter na memória porque não aconteceu.

 

(30)

Por isso não sei se minha história vai ser – ser o quê? Não sei de nada, ainda não me animei a escrevê-la. Terá acontecimentos? Terá. Mas quais? Também não sei. Não estou tentando criar em vós uma expetativa aflita e voraz: é que realmente não sei o que me espera, tenho um personagem buliçoso nas mãos e que me escapa a cada instante que rendo que eu o recupere…

Reflexão sobre a escrita.

 

(31)

(…) palavra tem que se parecer com a palavra, instrumento meu. Ou não sou um escritor? Na verdade sou mais ator porque, com apenas um modo de pontuar, faço malabarismos de entonação, obrigo o respirar alheio a me acompanhar o texto.

Nova reflexão sobre a escrita.

 

(32)

(Vai ser difícil escrever esta história. Apesar de eu não ter nada a ver com a moça, terei que me escrever todo através dela por entre espantos meus. Os fatos são sonoros mas entre os fatos há um sussurro. É o sussurro que me impressiona).

Este sussurro é o espírito que se evola a partir dos factos nus e crus, e que atravessa as palavras e as imagens. Mas também pode ser o rasto que os livros de que gosto me deixam, como a cabeleira iluminada de um cometa no céu estrelado.

 

(32)

(…) brutalidade essa que ela parecia provocar com sua cara de tola, rosto que pedia tapa),

Porquê? Porque é que a inocência sem beleza e a falta de inteligência sem maldade provocam a fúria dos outros? Vi isto tantas vezes entre alunos, e entre alunos e professores… e até, tenho vergonha em confessá-lo, entre mim e alunos (sempre consciente destes impulsos e, chocado, a tentar reprimi-los)…

 

(38)

Rua do Acre para morar, rua do Lavradio para trabalhar, cais do porto para ir espiar no domingo, um ou outro prolongado apito de navio cargueiro que não se sabe por que dava aperto no coração, um ou outro delicioso embora um pouco doloroso cantar de galo. Era do nunca que vinha o galo. Vinha do infinito até a sua cama, dando-lhe gratidão.

Linguagem tão evocativa da de Vergílio Ferreira. Um galo é referido abundantemente em Cântico Final que é de 1956, publicado em 1959. Ora, este livro de Clarice é de 1977 – tê-lo-á lido ela?

 

(39)

Teria ela a sensação de que vivia para nada? Nem posso saber, mas acho que não. Só uma vez se fez uma trágica pergunta: Quem sou eu? Assustou-se tanto que parou completamente de pensar. Mas eu, que não chego a ser ela, sinto que vivo para nada. Sou gratuito e pago as contas de luz, gás e telefone.

Às vezes, sinto isto também. E luto contra. O voluntariado é o meu instrumento principal. Ajudar a Adriana também.

 

(41)

Vez por outra ia para a Zona Sul e ficava olhando as vitrines faiscantes de jóias e roupas acetinadas – só para se mortificar um pouco. É que ela sentia falta de encontrar-se consigo mesma e sofrer um pouco é um encontro.

Tristeza e choro são movimentos em direção à consolação. Além disso, na alienação da realidade em que vivia dia após dia, o sofrimento podia dar-lhe talvez uma realidade mais real.

 

(42)

E tinha um luxo, além de uma vez por mês ir ao cinema: pintava de vermelho grosseiramente escarlate as unhas das mãos. Mas como as roia quase até o sabugo, o vermelho berrante era logo desgastado e via-se o sujo preto por baixo.

Clarice difere de Vergílio Ferreira por andar tanto à volta da fealdade.

 

(43)

Será que eu enriqueceria este relato se usasse alguns difíceis termos técnicos? Mas aí que está: esta história não tem nenhuma técnica, nem estilo, ela é ao deus-dará. Eu que também não marcharia por nada deste mundo com palavras brilhantes e falsas uma vida parca como a da datilógrafa. Durante o dia eu faço, como todos, gestos despercebidos por mim mesmo. Pois um dos gestos mais despercebidos é esta história de que não tenho culpa e que sai como sair.

A desculpar-se ou a justificar uma certa desorganização propositada dos elementos do romance?

 

(45)

(Quando penso que eu podia ter nascido ela – e por que não? – estremeço. E parece-me covarde fuga de eu não ser, sinto culpa como disse num dos títulos.)

Explicação para um dos títulos. Acho esta confissão comovente. Eu também senti medo perante a possibilidade de ser uma outra pessoa a viver em condições piores do que as minhas. E senti culpa por me acovardar.

 

(45)

Em todo caso o futuro parecia via a ser muito melhor. Pelos menos o futuro tinha a vantagem de não ser o presente. Sempre há um melhor para o ruim.

Pode esta afirmação constituir o fundamento de um otimismo desesperado?

 

(46)

Que se há de fazer com a verdade de que todo mundo é um pouco triste e um pouco só.

Clarice de alguma forma repete esta ideia na entrevista de 1977.

 

(48)

O que se segue é apenas uma tentativa de reproduzir três páginas que escrevi e que a minha cozinheira, vendo-as soltas, jogou no lixo para o meu desespero – (cont.)

Muito interessante mais este recurso, a juntar ao da intercalação de “(explosão)”, para justificar a falta de brilho do encontro com aquele que virá a ser (48) (explosão) a primeira espécie de namorado de sua vida.

 

(49)

E Macabéa, com medo de que o silêncio já significasse uma ruptura, disse ao recém-namorado: (…)

 

(52)

Quando Olímpico lhe dissera que terminaria deputado pelo Estado da Paraíba,. ela ficou boquiaberta e pensou: quando nos casarmos então serei uma deputada? Não queria, pois deputada parecia nome feio. (Como eu disse, essa não é uma história de pensamentos. Depois provavelmente voltarei para as inominadas sensações, até sensações de Deus. Mas a história de Macabéa tem que sair senão eu estouro.)

Clarice brinca um pouco connosco? Põe um pensamento e, depois, diz que história não é de pensamentos? Ora, não é é de outra coisa!

 

(53)

Ainda não sei, só sei que eram de algum modo inocentes e pouca sombra faziam no chão.

Não, menti, agora vi tudo: ele não era inocente coisa alguma, apesar de ser uma vítima geral do mundo. Tinha, descobri agora, dentro de si a dura semente do mal, gostava de se vingar, este era o seu grande prazer e o que lhe dava força de vida. Mais do que ela que não tinha anjo da guarda.

Segundo Clarice, podemos ser vítimas e não sermos inocentes, não só porque de algum modo acabamos por vezes a participar no mal que nos foi feito, mas porque lhe respondemos com maldade e rancor. Concordo.

 

(61)

– Mas você sabe que se chama Macabéa, pelo menos isso?

– É verdade. Mas não sei o que está dentro do meu nome. Só sei que eu nunca fui importante...

– Pois fique sabendo que meu nome ainda será escrito nos jornais e sabido por todo o mundo.

Macabéa revela-se de uma inteligência lucidamente simples, muito mais brilhante que Olímpico que é absolutamente vulgar e pobre.

O que nos surpreende, pois Rodrigo cria-nos a expetativa do contrário, parecendo não perceber a pessoa que criou ou que existe à frente dos seus olhos (será porque Rodrigo está (72) apaixonado por Macabéa a minha querida Maca, apaixonado pela sua feiúra e anonimato total pois ela não é para ninguém. Apaixonado por seus pulmões frágeis, a magricela.?)

Na verdade, mais à frente, Rodrigo informa-nos que Macabéa (74/75) Tinha pensamentos gratuitos e soltos porque embora à toa possuía muita liberdade interior. Creio firmemente que esta liberdade é uma forma extrema de inteligência.

 

(72)

Quanto a mim, só sou verdadeiro quando estou sozinho.

Também tenho esta ideia… ilusória? Não sei mesmo. Mas se pensar que são as ações que me definem e revelam o que eu realmente sou (a existência precede a essência), então é mesmo ilusória – por exemplo, penso que sou corajoso e depois, no mundo e em ação, acobardo-me e vejo que não. Ah, mas talvez não seja o que eu penso de mim que é real, talvez seja apenas que, em solidão, pertenço-me mais a mim mesmo, sou menos influenciado, logo sou mais eu… ou não?

 

(77)

Eu uso essa palavra porque nunca tive medo de palavras. Tem gente que se assusta com o nome das coisas. Vocezinha tem medo de palavras, benzinho?

– Tenho, sim senhora.

– Então vou me cuidar para não escapulir nenhum palavrão,

Eu também tenho medo de palavras – é engraçado, não me recordo de Vergílio Ferreira referir este medo. Aqui Clarice parece ser mais consciente que Vergílio.

 

(85)

As coisas são sempre vésperas e se ela não morre agora está como nós na véspera de morrer, perdoai-me lembrar-vos porque quanto a mim não me perdôo a clarividência.

Para o caso de estarmos a assistir à morte de Macabéa de fora, Clarice “puxa-nos para dentro”, fazendo-nos sentir que estamos todos no mesmo barco.

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