sábado, 20 de novembro de 2021

Papa Francisco, Fratelli Tutti, 38.

 


38. Infelizmente, outros são «atraídos pela cultura ocidental, nutrindo, por vezes, expetativas irrealistas que os expõem a pesadas deceções. Traficantes sem escrúpulos, frequentemente ligados a cartéis da droga e das armas, exploram a fragilidade dos imigrantes, que, ao longo do seu percurso, muitas vezes encontram a violência, o tráfico de seres humanos, o abuso psicológico e mesmo físico e tribulações indescritíveis». As pessoas que emigram «experimentam a separação do seu contexto de origem e, muitas vezes, também um desenraizamento cultural e religioso. A fratura tem a ver também com as comunidades de origem, que perdem os elementos mais vigorosos e empreendedores, e as famílias, particularmente quando emigra um ou ambos os progenitores, deixando os filhos no país de origem». Por conseguinte, também deve ser «reafirmado o direito a não emigrar, isto é, a ter condições para permanecer na própria terra» (Papa Bento XVI).

Nunca tive de emigrar. O meu avô emigrou para África e construiu lá a sua vida. E, por seu mérito e por sorte, venceu. Eu ainda sou um dos beneficiados desse sacrifício e dessa vitória que foi a sua. Mas nunca isso me faria defender a emigração de quem quer que fosse.

Talvez por isso, hoje vou deter-me neste «direito a não emigrar».

Parece-me ele tão evidente que me espanta quando vários dos governantes máximos de um país (o nosso) incentivam os outros à emigração.

Primeiro, porque a formação desses emigrantes foi paga com os nossos impostos. Com a sua emigração, o retorno e os benefícios desse investimento vão para os outros países que não gastaram um cêntimo – como é possível não ver isto?

Segundo, porque aquilo que é bom para os outros países (por exemplo, enfermeiros portugueses no Reino Unido) deveria ser igualmente bom para nós – como é possível não ver isto?

Terceiro, evidentemente porque «(…) as comunidades de origem, (...) perdem os [seus] elementos mais vigorosos e empreendedores (…)» - como é possível não ver isto?

Quarto, porque incentivar os outros à emigração é uma das mais patéticas confissões de incompetência e de impotência que um governante de um país pode fazer – como é possível não ver isto?

Quinto, última mas para mim a principal razão que é também aqui referida pelo Papa: porque a emigração constitui sempre uma violência, quer para quem parte, quer para quem fica. Ou seja, constitui uma punição tanto mais injusta quanto as pessoas nada fizeram para sofrerem esse castigo (exceto se as considerarmos culpadas por terem acreditado nos governantes que, mentindo e roubando, levaram o país à miséria…) - pela última vez, como é possível não ver isto?

Sem comentários:

Enviar um comentário

Julian Barnes – O Papagaio de Flaubert

  Quetzal, 2019 Julian Barnes é o mais continental dos escritores anglo-saxónicos. Entre outras coisas, vê-se isso pelo fascínio que ele dem...