quinta-feira, 14 de outubro de 2021

Papa Francisco, Fratelli Tutti, 33.

 


33. O mundo avançava implacavelmente para uma economia que, utilizando os progressos tecnológicos, procurava reduzir os «custos humanos»; e alguns pretendiam fazer-nos crer que era suficiente a liberdade de mercado para garantir tudo. Mas, o golpe duro e inesperado desta pandemia fora de controle obrigou, por força, a pensar nos seres humanos, em todos, mais do que nos benefícios de alguns. Hoje podemos reconhecer que «alimentamo-nos com sonhos de esplendor e grandeza, e acabamos por comer distração, fechamento e solidão; empanturramo-nos de conexões, e perdemos o gosto da fraternidade. Buscamos o resultado rápido e seguro, e encontramo-nos oprimidos pela impaciência e a ansiedade. Prisioneiros da virtualidade, perdemos o gosto e o sabor da realidade». A tribulação, a incerteza, o medo e a consciência dos próprios limites, que a pandemia despertou, fazem ressoar o apelo a repensar os nossos estilos de vida, as nossas relações, a organização das nossas sociedades e sobretudo o sentido da nossa existência.

Sim, temos de repensar tudo, já que as respostas convencionais a que estávamos habituados mostraram uma eficácia muito aquém daquilo que prometiam.

Além disso, como diz aqui o Papa, a pandemia confrontou-nos com a realidade desagradável da nossa fragilidade, ao nível individual e coletivo. Aliás, essa fragilidade é de tal modo evidente que as manifestações de arrogância de muitos políticos (locais e mundiais) nos surgem como patéticas e risíveis (ao mesmo tempo que um pouco assustadoras, visto que a loucura associada ao poder provoca sempre medo). Infelizmente, essa arrogância teve consequências trágicas para milhares de famílias (vejam-se os exemplos do Brasil, Estados Unidos e Reino Unido).

Diz o Papa que «alimentamo-nos com sonhos de esplendor e grandeza». Na verdade, é bom que o façamos, pois precisamos de sonhos estimulantes para termos uma presença útil e boa no mundo.

Mas não confundamos com sonhos de fama e de aparência grandiosa; é que estes são habitualmente destrutivos para nós e para os mais próximos que nos rodeiam.


Escolhi a foto que acompanha esta publicação porque, no contexto deste parágrafo, ela nos interpela de alguma forma. É tirada de Verywell Mind, sendo uma recomendação muito positiva de como lidar com a solidão durante a pandemia da Covid-19 (How to Cope With Loneliness During the Coronavirus Pandemic, de Arlin Cuncic).  Veja-se como uma recomendação útil no contexto da pandemia se pode tornar numa prática algo tóxica (pelo isolamento em relação aos outros que incentiva), se ela passou a ser um hábito de vida, agora que já não estamos sujeitos ao confinamento. Isto é, se nos transforma em «Prisioneiros da virtualidade».

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