segunda-feira, 13 de setembro de 2021

Papa Francisco, Fratelli Tutti, 25.

 

(Foto: https://pt.wikipedia.org/wiki/Segunda_Guerra_Mundial)


Conflito e medo

25. As guerras, os atentados, as perseguições por motivos raciais ou religiosos e tantas afrontas contra a dignidade humana são julgados de maneira diferente, segundo convenham ou não a certos interesses fundamentalmente económicos: o que é verdade quando convém a uma pessoa poderosa, deixa de o ser quando já não a beneficia. Estas situações de violência vão-se «multiplicando cruelmente em muitas regiões do mundo, a ponto de assumir os contornos daquela que se poderia chamar uma “terceira guerra mundial por pedaços”».

Enfim, isto não se passa só com as pessoas poderosas:

Nós todos julgamos as coisas, principalmente as problemáticas, desfavoravelmente quando nos sentimos prejudicados por elas. Quando prejudicam apenas os outros, somos muito mais tolerantes. Há um conto delicioso de Oscar Wilde, O Foguete de Lágrimas (in Contos, de Oscar Wilde, Portugália Editora, 1969, p. 231), em que este é um dos temas:

(…) sou sensível ao máximo. Estou convencido de que não há no mundo ninguém mais sensível do que eu.

- O que é ser sensível? – perguntou um petardo à roda-de-fogo.

- É quem, sofrendo dos calos, anda sempre a pisar os dos outros – respondeu baixinho a interpelada. (…).

Depois há todos aqueles que, não sendo poderosos, põem-se ao serviço dos poderosos, funcionando como seus megafones ou, ainda pior, como seus sicários. Talvez alguns de nós, numa ou noutra altura das nossas vidas, o tenhamos feito sem nos darmos conta. Mas muitos fazem-no por um salário, claro. E certamente até haverá alguns que, não sendo nem ricos nem poderosos, o fazem por convicção.

A refletir se, no nosso dia-a-dia e nas ideias e práticas que defendemos, não estamos a ser coniventes com malfeitores poderosos. Porque se é verdade que as guerras (sob quaisquer formas que elas tomem) são decididas por esses poderosos, não podemos deixar de constatar que elas, no terreno, são levadas a cabo pelos seus subalternos (os poderosos, aliás, nunca lá aparecem).

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