terça-feira, 14 de setembro de 2021

Papa Francisco, Fratelli Tutti, 26.

 


26. Isto não surpreende, se atendermos à falta de horizontes capazes de nos fazer convergir para a unidade, pois em qualquer guerra o que acaba destruído é «o próprio projeto de fraternidade, inscrito na vocação da família humana», pelo que «toda a situação de ameaça alimenta a desconfiança e a retirada». Assim, o nosso mundo avança numa dicotomia sem sentido, pretendendo «garantir a estabilidade e a paz com base numa falsa segurança sustentada por uma mentalidade de medo e desconfiança».

Se desconfiamos dos outros, isso causa-nos insegurança. Esta insegurança surge como uma ameaça à nossa sobrevivência, pelo que o nosso organismo responde-lhe com emoções negativas, entre as quais o medo se destaca largamente (muitas vezes, independentemente da nossa consciência ou racionalidade).

O nosso organismo está construído pela natureza para que este medo dê origem, mais uma vez sem necessitar de uma decisão consciente (muitas vezes, são respostas automáticas), a um de cinco comportamentos (que, no entanto, podem suceder-se uns aos outros, não sendo fixos). Em que três são de ação e dois são de inibição da ação, a saber:

1) Luta, quando estimamos que somos capazes de levar de vencida quem causou esse medo e, assim, de anular a ameaça que ele representa.

2) Fuga, quando, pelo contrário, percebemos que não temos hipóteses de triunfar sobre quem nos causou o medo, mas temos capacidade para nos pormos fora do seu alcance, assegurando a nossa sobrevivência.

3) Submissão, quando damos conta que nenhuma das duas respostas anteriores tem possibilidade de sucesso.

4) Paralisação, quando concluímos que nenhuma das três respostas anteriores é capaz de assegurar a nossa sobrevivência.

5) Finalmente, quando nos sentimos encurralados porque nenhum destes comportamentos foi suficiente para afastar a ameaça ou para, pelo menos, nos dar a esperança de a afastar, o nosso organismo reage com uma fúria desesperada (bastantes vezes até dirigida para nós próprios – é por essa razão que, por exemplo, são muitos os casos de assédio moral no local de trabalho que acabam em suicídio).

São cinco respostas muito simples e básicas, pelo que resultam quase sempre desadequadas na sociedade complexa e exigente de hoje.

Pelo que, onde há medo e desconfiança, nunca pode surgir a segurança no nosso espírito. Portanto, há que descobrir quais as reais causas dessa insegurança e resolvê-las. Tentar eliminá-las não resulta, pois elas nunca desaparecem totalmente. Além de que o próprio processo de eliminação é habitualmente violento e causador de sofrimento, pelo que não pode trazer felicidade. Por outras palavras, tenhamos presente que de tigres não podem nascer cordeiros!


Proponho que a única saída com alguma probabilidade de sucesso (em linha com o que o Papa nos apresenta nesta encíclica "Fratelli Tutti") é irmos ao encontro daquele que nos parece ameaçar a nossa segurança, sabendo que também ele se sente inseguro e que também ele, tal como nós, deseja alcançar a segurança e a felicidade, para si e para os seus.

Sendo verdade que ambos desejamos o mesmo, o acordo não será difícil de alcançar, desde que nenhum de nós queira “vencer” e humilhar o outro. Porque a realidade que todos nós já experimentámos alguma vez nas nossas vidas é que, quando vencemos alguém, arranjamos um adversário; mas quando o convencemos, ganhamos um aliado!

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