sábado, 14 de agosto de 2021

Papa Francisco, Fratelli Tutti, 12.

 

(Pintura de Jean Jacques Henner retratando a solidão)

(12)

12. «Abrir-se ao mundo» é uma expressão de que, hoje, se apropriaram a economia e as finanças. Refere-se exclusivamente à abertura aos interesses estrangeiros ou à liberdade dos poderes económicos para investir sem entraves nem complicações em todos os países. Os conflitos locais e o desinteresse pelo bem comum são instrumentalizados pela economia global para impor um modelo cultural único. Esta cultura unifica o mundo, mas divide as pessoas e as nações, porque «a sociedade cada vez mais globalizada torna-nos vizinhos, mas não nos faz irmãos». Encontramo-nos mais sozinhos do que nunca neste mundo massificado, que privilegia os interesses individuais e debilita a dimensão comunitária da existência. Em contrapartida, aumentam os mercados, onde as pessoas desempenham funções de consumidores ou de espectadores. O avanço deste globalismo favorece normalmente a identidade dos mais fortes que se protegem a si mesmos, mas procura dissolver as identidades das regiões mais frágeis e pobres, tornando-as mais vulneráveis e dependentes. Desta forma, a política torna-se cada vez mais frágil perante os poderes económicos transnacionais que aplicam o lema «divide e reinarás».

Os poderosos fazem o que podem para implantarem o “dividir para reinar”.  E podem muito, na realidade. Além disso, juntam-se entre si (os «mais fortes que se protegem a si mesmos»). Há várias “internacionais” do poder e da alta finança: Grupo Bilderberg, Comissão Trilateral, Fórum Económico Mundial (o Fórum Social Mundial pretende ser um contraponto a este), etc.

Um dos resultados nefastos da organização que esta economia impõe à sociedade, é a crescente solidão das pessoas (sem, obviamente, nenhum aumento de felicidade para estas). Como é que esta economia dificulta, por exemplo, a vida comunitária? Através de salários baixos (que obriga a ter mais trabalhos), emprego precário, horários alargados de trabalho, trabalho que põe as pessoas esgotadas ao fim do dia, tratamento degradante pelas chefias, etc. Mas, principalmente, através da promoção da competição selvagem entre todos.

Por isso, se é verdade que somos consumidores e espetadores, a realidade é que, numa grande parte do nosso dia a dia, somos principalmente competidores, o que acaba por reforçar a solidão em que cada um de nós tende cada vez mais a viver.

Estes três papéis (consumidores, espetadores e competidores) que as sociedades atuais nos forçam a assumir deixam muito pouco espaço para outras identidades. Para a de “irmãos”, por exemplo, que nos faria infinitamente mais felizes.

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