domingo, 15 de agosto de 2021

Papa Francisco, Fratelli Tutti, 13.


 (13)

O fim da consciência histórica

13. Pelo mesmo motivo, favorece também uma perda do sentido da história, que desagrega ainda mais. Nota-se a penetração cultural de uma espécie de «desconstrucionismo», em que a liberdade humana pretende construir tudo a partir do zero. De pé, deixa apenas a necessidade de consumir sem limites e a acentuação de muitas formas de individualismo sem conteúdo. Neste contexto, colocava-se um conselho que dei aos jovens: «Se uma pessoa vos fizer uma proposta dizendo para ignorardes a história, para não aproveitardes da experiência dos mais velhos, para desprezardes todo o passado, olhando apenas para o futuro que essa pessoa vos oferece, não será uma forma fácil de vos atrair para a sua proposta a fim de fazerdes apenas o que ela diz? Aquela pessoa precisa de vós vazios, desenraizados, desconfiados de tudo, para vos fiardes apenas nas suas promessas e vos submeterdes aos seus planos. Assim procedem as ideologias de variadas cores, que destroem (ou desconstroem) tudo o que for diferente, podendo assim reinar sem oposições. Para isso, precisam de jovens que desprezem a história, rejeitem a riqueza espiritual e humana que se foi transmitindo através das gerações, ignorem tudo quanto os precedeu».

Ignorar e rejeitar a história que nos explica como chegámos até aqui é mais uma maneira de nos separarmos da comunidade a que pertencemos. E, em consequência disso, deixamos de ver qualquer interesse em alimentar esta comunidade. Resultado? Solidão e isolamento acrescidos. Sequelas? As habituais: menos saúde, menos longevidade, mais consumismo e mais destruição do nosso planeta.

Já alguém há de ter defendido esta ideia: estudar a História e integrá-la na nossa vida interior (sempre de forma crítica, claro) pode ser um dos vários caminhos à nossa disposição para diminuir a nossa eventual sensação de solidão e de isolamento. Porque dá-nos a consciência de pertencer à linhagem dos seres humanos que nos antecederam aqui na Terra e que tanto contribuíram para vivermos hoje muito melhor do que no seu tempo.

No entanto, observo que há os que nunca aprenderam. Também há os que já esqueceram. Mas quem me espanta são as pessoas que fazem por esquecer a história, quer a longínqua, quer a mais recente. Por exemplo, a alguém mais novo que defendia que as pessoas deviam trabalhar sem contrato e sem ordenado mínimo, eu respondi: “Sabes que isso já foi experimentado no passado, e não resultou, não sabes?” Silêncio do lado de lá.


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