sexta-feira, 27 de agosto de 2021

Papa Francisco, Fratelli Tutti, 17.

 


17. Cuidar do mundo que nos rodeia e sustenta significa cuidar de nós mesmos. Mas precisamos de nos constituirmos como um «nós» que habita a casa comum. Um tal cuidado não interessa aos poderes económicos que necessitam dum ganho rápido. Frequentemente, as vozes que se levantam em defesa do ambiente são silenciadas ou ridicularizadas, disfarçando de racionalidade o que não passa de interesses particulares. Nesta cultura que estamos a desenvolver, vazia, fixada no imediato e sem um projeto comum, «é previsível que, perante o esgotamento de alguns recursos, se vá criando um cenário favorável para novas guerras, disfarçadas sob nobres reivindicações».

Nós somos muito influenciados pelos contextos onde vivemos. Deste modo, como diz o Papa, cuidarmos do meio ambiente em que vivemos é cuidarmos de nós próprios. Em 1914, no livro Meditaciones del Quijote, Ortega y Gasset escreveu: Yo soy yo y mi circunstancia, y si no la salvo a ella no me salvo yo. Assim, o Papa alerta-nos também que não se trata aqui apenas do eu e do meu bem-estar pessoal e egoísta, mas trata-se igualmente da minha consideração pela comunidade à qual pertenço e com quem coabito.

Lemos as palavras do Papa e é impossível não nos recordarmos dos ataques selváticos de ódio dirigidos à jovem Greta Thunberg. Que, com base em provas científicas, se limitou a alertar as pessoas para a tragédia ecológica que, na verdade, não pára de continuar a aproximar-se.

Qual a estratégia usada hoje pelos poderes económicos? Começam por evitar que as pessoas tenham tempo e disponibilidade para pensarem para além do imediato. Ao mesmo tempo, avançam para a promoção de guerras entre pessoas, através de exclusões ou da competição selvagem (sempre com justificações “razoáveis” e “nobres”)

É preciso estar sempre a lembrar aos que defendem a competição com o exemplo das suas vantagens no desporto de que, neste caso, a competição está limitada a períodos curtos de tempo, que está regrada e regulamentada ao mais pequeno pormenor, existindo tribunais próprios, em que o controlo é apertado e os castigos são imediatos à falta cometida. Bem ao contrário do que se passa nos locais de trabalho onde se estimula a mesma competição.

Quando as pessoas atingem um elevado nível de medo (porque não têm o apoio da comunidade, estão excluídos ou estão em competição, ou lhes faltam até os recursos para uma sobrevivência digna) e de raiva (consequência do medo e da forma como se sentem tratadas), fica o cenário maduro para elas serem manipuladas a eleger o outro (o diferente, aquele que não compreendem muito bem) como inimigo, o que lhes desvia as atenções de quem fez efetivamente o mal. Daí até se promover uma guerra a sério, a distância não é grande (estou a lembrar-me do exemplo da Guerra feita no Iraque, a pretexto do ataque às Torres Gémeas, quando os terroristas e o seu líder eram árabes sauditas que, aliás, pertenciam a uma sociedade muito mais terrivelmente religiosa e tradicionalista do que a iraquiana da altura).

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