domingo, 29 de agosto de 2021

Papa Francisco, Fratelli Tutti, 19.

 


19. A falta de filhos, que provoca um envelhecimento da população, juntamente com o abandono dos idosos numa dolorosa solidão, exprimem implicitamente que tudo acaba connosco, que só contam os nossos interesses individuais. Assim, «objeto de descarte não são apenas os alimentos ou os bens supérfluos, mas, muitas vezes, os próprios seres humanos». Vimos o que aconteceu com as pessoas de idade em algumas partes do mundo por causa do coronavírus. Não deviam morrer assim. Na realidade, porém, tinha já acontecido algo semelhante devido às ondas de calor e noutras circunstâncias: cruelmente descartados. Não nos damos conta de que isolar os idosos e abandoná-los à responsabilidade de outros sem um acompanhamento familiar adequado e amoroso mutila e empobrece a própria família. Além disso, acaba por privar os jovens daquele contacto que lhes é necessário com as suas raízes e com uma sabedoria que a juventude, sozinha, não pode alcançar.

Os políticos sabem do que o Papa está a falar. E, no entanto, pouco se preocupam com as necessidades emocionais das pessoas em geral e dos idosos em particular, com graves implicações na saúde mental de todos nós.

Mais uma vez, podemos dar conta aqui, com os idosos, da estratégia de separar, de dividir e de enfraquecer os laços entre as pessoas. Vimos isso também no nosso país, com a forma como a vacinação contra a Covid-19 não foi priorizada para os mais velhos, ao mesmo tempo que se lhes proibia totalmente os contactos com o resto da família (o que demonstrou que o que moveu os responsáveis políticos não foi ignorarem que este grupo etário era aquele que mais precisava de ser vacinado).

Cito aqui Teresa de Sousa, uma reputada jornalista do Público (“Os velhos”, na edição de 30/05/2021, pág. 6): 

(…) Sem sindicatos e sem capacidade para pressionar as “autoridades”, aqueles que verdadeiramente corriam risco de vida, ou seja, os mais velhos – nem sequer os “velhos”, apenas os mais velhos – iam morrendo ou passando por longos internamentos. (…) Os “velhos” – quer dizer, os que têm mais de 65 ou 70 anos – foram e são olhados como equivalentes a “inúteis”. (…) Não me estou a queixar. Estou apenas a dizer que se continua a pensar pouco nos “velhos”. Ou melhor, que o conceito de “velhos”, em Portugal, é distorcido e é ofensivo. E isso não é certamente um bom indicador da “resiliência” – como agora se diz para quase tudo – de uma sociedade que se quer desenvolvida. (…)

Nada a acrescentar. Adiante.

Nós, os mais velhos (na verdade, a totalidade da população), precisamos de aprender como nos conectarmos genuinamente com as crianças e com os jovens, suscitando o seu interesse e o seu afeto.

Como não era uma preocupação no passado, nós não aprendemos a fazê-lo porque os nossos pais e avós também não sabiam. Portanto, não é algo que seja fácil, nem é algo que se aprenda naturalmente, até porque as crianças e os jovens de hoje são bastantes diferentes e vivem numa sociedade bastante diferente da de há umas décadas atrás. Ou seja, o estatuto que a sociedade atualmente lhes outorga cria personalidades e expetativas diferentes das de antigamente.

Além de que, muitas vezes, os idosos pouco tempo estão com eles (como, aliás, os pais, irmãos e tios, devido aos horários de trabalho e de deslocação de e para o emprego da maior parte das pessoas). Assim, todos temos de aprender formas novas e mais eficazes de chegar até aos mais novos

Pessoalmente, procuro estar sempre a par do que a ciência da psicologia vai descobrindo e provando na área da infância e da juventude, nomeadamente ao nível das neurociências e da comunicação intergeracional.

O vídeo que junto aqui consiste numa conversa entre dois seres humanos separados entre si apenas pela idade: 57 anos de diferença (pode-se pôr legendas em português no vídeo). A razão da minha escolha é que estarmos interessados, genuinamente curiosos e fazendo perguntas abertas, são todas boas maneiras de comunicarmos com os mais novos, seja qual for a sua idade.

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